Brasil perde José Alencar. Um exemplo de cidadão que lutou pela vida.
Como empresário, José Alencar cumpriu, como poucos, a trajetória de um vencedor. Filho de um pequeno comerciante de um vilarejo mineiro, começou a trabalhar cedo e deixou a família quando tinha 14 anos para se empregar numa loja em Muriaé. Nessa época, passava as noites no corredor do Hotel da Estação --o salário não era o bastante para pagar por um quarto. "Era uma pensão de categoria --vamos dizer-- uma estrela", costumava repetir o ex-vice-presidente.
Em 1947, atrás de um emprego melhor, mudou-se para Caratinga, cidade em que conheceu Mariza, com quem se casou. Pouco antes de conhecer a mulher, teve alguns relacionamentos fortuitos. De um deles nasceu Rosemary, reconhecida por ele somente em 2010. Aos 18 anos, Alencar foi emancipado pelo pai (na época, a maioridade civil ocorria aos 21 anos) e, com apoio financeiro de um irmão, abriu uma loja.
O ex-vice-presidente gostava de contar que morar na loja e comer na marmita faziam parte do esforço para baixar os custos. E que seu combate contra os juros começou ali. Assim, a loja "A Queimadeira" podia vender tecidos, calçados, chapéus, guarda-chuvas, sombrinhas e armarinho a preços mais competitivos que os da concorrência.
Hoje, a Coteminas S.A., controlada pela família de Alencar, é a maior empresa do setor têxtil do Brasil e um dos mais importantes grupos econômicos do país. Na verdade, é uma multinacional: em 2005, investiu US$ 1,6 bilhão na fusão com a gigante norteamericana Springs e formou a Springs Global, comandada pela filial brasileira, que detém 50% das ações do grupo. Desde 1992 é uma empresa de capital aberto.
A Springs Global fatura US$ 2,4 bilhões por ano e possui 25 fábricas. Na lógica da empresa, os Estados Unidos representam um centro de distribuição e de design, além de acesso a um mercado consumidor gigantesco (nos EUA, a garota-propaganda da Springs Global era a top model Cindy Crawford).
O Brasil, para onde algumas fábricas dos EUA foram trazidas após a fusão, entra com um grande volume de produção de tecidos a baixo custo e também de compra de algodão e outros fios artificiais e sintéticos. O México é também um centro de produção de baixo custo e de complemento de atividades industrias. A empresa busca investir na Europa e na Ásia, para diversificar o mercado.
Crescimento
Essa trajetória de sucesso, e de alguém que passou por dificuldades, ajudou Alencar a superar as resistências dentro do PT. Ela também foi fundamental para a entrada do empresário na vida pública, que tem como marco a eleição para a presidência da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais), ocupada por ele de 1989 a 1994.
O crescimento de Alencar no empresariado começou em 1967, junto com o empresário e político Luiz de Paula Ferreira (até hoje sócio do grupo), na abertura da Coteminas - Companhia de Tecidos Norte de Minas, em Montes Claros. Os dois utilizaram subsídios da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), que abrangia a região.
Nessa época, ele já tinha tido seus três filhos, Maria da Graça, Patrícia e Josué, que, nascido em 1963, comia broa de milho enquanto acompanhava sem entender as reuniões empresariais do pai. Josué viria a substituir Alencar no comando da companhia. A empresa conheceu os exuberantes anos 1970 brasileiros, mas também a crise dos anos 1980. Em 1989, quando Alencar foi para a Fiemg, Josué voltou de uma pós-graduação nos EUA e implantou a área administrativa e financeira da Coteminas em São Paulo.
Em 1990, quando o mercado brasileiro foi repentinamente aberto para a competição internacional durante o governo Fernando Collor (1990-1992), Alencar e Josué fizeram uma viagem de prospecção e concluíram que valia a pena manter os negócios, porque o país podia ser competitivo --o que faltava à Coteminas, naquele momento, era contar com uma escala de produção de tecidos compatível com uma atividade de intensa rotação de capital.
"Tínhamos matéria-prima natural, o algodão, principalmente, mas também outras fibras, e custos competitivos", disse Josué, em entrevista publicada pelo hoje extinto jornal "Gazeta Mercantil". "Como as taxas de juros no Brasil sempre foram altas, nós decidimos buscar recursos no mercado de capitais, ainda que caros, porque o retorno que o investidor exige é mais alto, mas com menos risco para a empresa."
A empresa partiu então para um projeto de expansão e de integração da produção. "Compramos a fibra, o fardo de algodão ou o fardo de poliéster e fazemos todo nosso fio, o acabamento, confeccionamos e vendemos o produto pronto, a prenda --toalha, lençol, toalha de mesa, roupão de banho, toalha de praia, camiseta e meia-- e vendemos também algum fio e tecido, mas a grande parte da nossa produção é verticalmente integrada até o produto final."
O processo de verticalização da produção levou a Coteminas da posição de líder no mercado de fios e tecidos a proprietária de marcas conhecidas pelo consumidor final. Essa fase, segundo os engenheiros agrônomos Isadora Herrmann e André Meloni, autores do texto "Coteminas - O desafio da inserção no mercado externo", tem como marco o ano de 1997, quando a empresa comprou marcas tradicionais de roupas de cama, mesa, banho e vestuário do Brasil e da Argentina: Artex, Santista, Paládio, Calfat, Prata, entre outras. Além disso, a empresa buscou também desenvolver marcas próprias.
Esse processo ainda faz parte das ações da empresa. Na verdade, ele está se aprofundando: em 2009, a Springs Global comprou a MMartan para injetar R$ 55 milhões na rede, que atua no varejo, e transformá-la também numa marca global.
Meus pais tinham uma pequena 'vendazinha' no interior de Minas Gerais. Saí de casa aos 14, para trabalhar na cidade. Não para estudar, mas para trabalhar. Arranjei um emprego de Cr$ 300;
Alencar, em 11 de fevereiro de 2005
A verticalização e a mundialização não mudaram, no entanto, muito o jeitão mineiro da Coteminas. Além de Josué, também atua na empresa outra filha de Alencar, Maria da Graça, responsável pela Diretoria de Marketing e de Desenvolvimento de Novos Produtos.
A empresa não conta, por exemplo, com uma assessoria de imprensa estabelecida --e a direção controla diretamente as informações que são repassadas para a imprensa.
Em 2009, investidores financeiros associados à Coteminas queixaram-se publicamente do estilo centralizador de Josué e de algumas de suas decisões estratégicas. Sua resposta para um dos questionamentos, na reportagem da revista Exame, veio em primeira pessoa: "Penso no longo prazo e os investidores cobram resultados no curto".
FONTE: REVISTA CENTRAL